Olhar inclusivo

Vice-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários desenvolve 13  projetos para populações especiais

Universidade de Passo Fundo

Nas manhãs de quarta-feira  um grupo de pessoas  se reúne à beira do campo de futebol da Faculdade de Educação  Física da Universidade de Passo Fundo. Uma alegria toma conta dessas pessoas, que, a cada encontro, sentem-se renovadas. A felicidade  contagiante tem razão na possibilidade de fazer algo tão comum à  maior parte das pessoas: andar de bicicleta.  No oposto do  burburinho, bem longe dali, no centro de Passo Fundo, o silêncio marca outro encontro: é hora de viajar por Lisboa, na história do Primo  Basílio, de Eça de Queirós.

O que há de tão extraordinário em andar de bicicleta e ler um  livro? Nada, não fosse o olhar.  É pelo olhar de terceiros que  pessoas com deficiência visual total ou parcial conseguem realizar  tarefas limitadas ao seu cotidiano. As duas atividades são  desenvolvidas pela Universidade de Passo Fundo. Uma, através do  projeto de extensão Cegos Leitores e Ouvintes, desenvolvido pelo  Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e coordenado pelo  professor Me. Hercílio Fraga de Quevedo; outra, através de atividades que integram o Núcleo de Esporte e Lazer: UPF aberta à comunidade,ambas desenvolvidas  em parceria com o Polo Regional de Desenvolvimento de Esporte Lazer, da Região 04/UPF/Fundergs, sob a coordenação da professora Dra. Lorita Maria Weschenfelder.

Os convênios com a Associação Passo-Fundense de Cegos (Apace) foram  ampliados nos últimos anos porque a Universidade de Passo Fundo,  por meio da vice-reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (VREAC), buscou  aproximação com a entidade, com o propósito de desenvolver atividades a partir das  demandas desse público. “Há dois anos, começamos a ter uma conversa  mais direta com a entidade. Revisamos o rol de demandas e, hoje,  eles têm tido uma participação muito mais efetiva, marcada pelo  comprometimento, pela participação, avaliação e sugestão. Isso tem  representado a participação de um número maior de alunos cegos, o que acaba repercutindo  em outros setores da instituição, como o Saes, que desenvolveu e  executou um projeto de acessibilidade no campus”, explica a  vice-reitora de Extensão e Assuntos Comunitários, Profª. Bernadete Maria Dalmolin.

Liberdade

Everton de Souza, 40 anos, é exemplo da inclusão desse público no universo acadêmico.  Formou-se em Pedagogia pela UPF, no final de 2014. É voluntário no  ensino de Braile para a Apace e integra um projeto de formação de  professores municipais, ministrando as disciplinas de acesso a recursos  pedagógicos e de alfabetização em Braile. Souza tem baixa visão e  também pratica as atividades desportivas e de lazer promovidas pela  Faculdade de Educação Física, que inicialmente se desenvolviam na piscina. Embora não se caracterizem como projeto de  extensão, essas ações integram o rol de projetos de  atendimento aos cegos. A ampliação da oferta de atividades, segundo  a professora Lorita,  se deu em razão por dois elementos importantes, o impacto positivo da natação na vida dos associados da Apace e a definição de uma política de extensão inclusiva assumida pela Instituição. “Nesse   momento, percebemos que deveríamos incluir os cegos em outras atividades, tamanha era a necessidade e o entusiasmo que se apresentava”, disse. A  dança, o judô, o goallball, a recreação e o ciclismo passaram a integrar o cotidiano do grupo. A  doação, pelo Conselho  Municipal do Direito da Criança (Comdica), de 12 bicicletas adaptadas para cegos tornou real a prática do  ciclismo.  Com o auxílio de monitores voluntários e estudantes da Faculdade de  Educação Física, os participantes se revezam semanalmente para pedalar.

“A atividade física é essencial para o desenvolvimento intelectual  e motor dos cegos. Ela proporciona equilíbrio, direcionamento e  noção de lateralidade e melhora a autoestima”, diz Everton, que  também integra a diretoria da Apace.

Mariane Bechi Lanzana, 23 anos, é outro exemplo de superação. Com baixa visão  desde a adolescência, gosta tanto de pedalar que se tornou uma das  monitoras do grupo. Ao contrário dos demais participantes da atividade,  que pedalam posicionados no  segundo banco da bicicleta, ela conduz o veículo, ocupando o banco da frente.  “A sensação é de liberdade, de autoconfiança”, expressa. Mariane já  tem outra meta estabelecida para sua vida: vai cursar Psicologia na UPF.

Para a professora Lorita, “o projeto vem para oportunizar o convívio através das atividades, reafirmando a possibilidade de transformação no modo de pensar, agir e sentir, num processo que se constrói e reconstrói nas relações e inter-relações. Percebe-se que a deficiência não os torna menos capazes de usufruir e conduzir suas vidas, na área do esporte e do lazer, não retirando a capacidade de construir sua autonomia e sua história”.

O imaginário

Se pedalar traz uma sensação de liberdade, ler através dos olhos  dos outros eleva a imaginação. É isso o que proporciona outra atividade  desenvolvida com os cegos,  dessa vez através do projeto de  extensão Cegos Leitores e Ouvintes, ligado ao Instituto de  Filosofia e Ciências Humanas, sob a coordenação do professor  Hercílio Fraga de Quevedo. O projeto atende a um grupo de 46 cegos, integrantes  da Apace, e consiste na reunião dessas pessoas para a leitura de obras literárias e a exibição de vídeos, tendo por objetivo promover a inclusão de cidadãos cegos na cultura letrada. Todas as quartas, das 10h às 11h, o grupo se reúne  para ouvir a leitura feita pelo professor  Hercílio. A atividade, que se transformou em projeto de extensão há  aproximadamente um ano e meio, já vinha sendo realizada de forma voluntária  pelo professor há 12 anos.

Assídua no grupo, a aposentada Ruth Rodrigues não mede esforços  para se fazer presente no dia de leitura. Seu problema com a visão se agravou há trinta anos. Ruth chegou a iniciar o curso de Pedagogia,  mas precisou interromper em decorrência das dificuldades impostas pela deficiência. Participar e interagir  nos debates intercalados das leituras de obras literárias a faz  sentir-se melhor. A leitura também faz muito bem a Nelson Baugardt,  65 anos, que há nove perdeu a visão, como resultado de uma catarata.

“Ler é um ato de generosidade, de construção de relacionamentos e  de conhecimento”, destaca o professor Hercílio. O método utilizado  por ele consiste inicialmente na leitura de uma reflexão e, a partir  daí, na leitura do livro escolhido. Normalmente, são lidas dez páginas  por encontro, porque em muitos casos são necessárias  contextualizações e explicações sobre a obra.

Papel institucional

Populações especiais, como a dos cegos, recebem uma também especial atenção da Vice-Reitoria de Extensão e de Assuntos Comunitários da UPF, que, somente  em parceria com a Apace, desenvolve 13  projetos voltados a esse grupo. “A Extensão evidencia os públicos  especiais e olha para as especificidades. Uma instituição de ensino  regional comunitária como a nossa tem a obrigação de atuar de forma  inclusiva. E nós, como Extensão, temos o papel de evidenciar e  tencionar para que esses temas sejam tratados dentro da sala de  aula e para que o nosso professor se aproxime dessa realidade, pensando e estimulando  seus alunos a pensar. Esse é o espaço para tematizar, para que a  gente conviva e consiga ampliar nosso olhar da formação e da  intervenção para atender esse público de forma satisfatória”,  reforça a vice-reitora de Extensão e Assuntos Comunitários, professora Bernadete Dalmolin.

Para ela, as pessoas se tornam melhores se puderem conviver com  todas as diferenças. “Nos tornamos pessoas mais humanas, mais  tolerantes”, defende.

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